“Tal como se organiza sob nossos olhos, a moda já não encontra seu modelo no sistema encarnado pela moda de cem anos”, diz Lipovetsky, ao anunciar o capítulo sobre moda aberta de seu livro: O Império do Efêmero. E de fato muitas mudanças ocorreram nesta que foi considerada uma nova fase da história da moda.
A moda de cem anos caracterizada pela alta-costura começou a dar lugar ao prèt- a-porter, “o luxo supremo e a moda separaram-se” como fala o autor. Uma produção industrial de roupas, inspiradas em tendências, cada vez mais se estabelecia, e se por um lado não tinha o acabamento da alta-costura, colocava novidades nas ruas, e mesmo que nos primeiros anos tenha sido pouco criativo, o prèt-a-porter a partir dos anos 1960 traria cada vez mais inovação.
A alta-costura não estagnou-se nos anos de transição, mas inicialmente hostil a nova forma de se fazer moda, mais a frente acabou por unir-se, lançando coleções. Paralelamente ao processo de estetização da moda industrial, o prèt-a-porter conseguiu democratizar um símbolo da alta distinção, outrora muito seletivo, pouco consumido: a griffe. Com elas já não se exaltava o nome de um criador, surgindo um afastamento das normas, os criadores já não se distinguiam de seus rivais pelo nome. A criação das griffes ajudou a igualar, mas não aboliu diferenças sociais extremas.
“O fim da preeminência simbólica da alta-costura tem por correlato o aniquilamento de sua clientela”, como cita Lipovetsky. Pois bem, agora uma maneira jovial, inovadora, individualista, foi estabelecida. As posições sociais já não eram o que se primava mostrar, e sim ser, estar jovem. Esse código juvenil também contribuiu para a igualação dos sexos, uma vez que os homens buscavam cada vez mais cuidar de si. Como o autor diz: “Homens e mulheres deixam de ter comportamentos antinômicos em matéria de cuidados pessoais e de aparência; a fase as disjunção máxima dos sexos foi superada em favor de uma democratização narcísica, e isso especialmente por intermédio do imperativo juventude.” (pág 123)
Na continuidade dessa moda aberta, deu-se cada vez mais a diversidade de criações, não havia apenas um estilo, uma tendência, “nada mais é proibido, todos tem o direito de cidadania, e se expandem em ordem dispersa. Já não há uma moda, há modas.” (pág.125). E é bem isso que se nota, uma moda plural, e foi nessa época que surgiram os anti-moda; hippies, punks, rasta, new-wave, e a moda viu-se desestabilizada com essa cultura anti-conformista jovem, mas em anos a frente até mesmo estes anti-moda puderam inspirar criações de moda, e o fazem até hoje.
Nessa caminhada, durante muito tempo as diferenças entre o masculino e feminino foram gritantes, e isso também, já seria de se esperar, foi quebrado na fase da moda aberta. Com os sporswear, vestuário de lazer de massa, as cores que voltaram a integrar os trajes masculinos, e a inclusão cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho, “a divisão enfática e imperativa do parecer dos sexos se esfuma; a igualdade das condições prossegue sua obra, pondo fim ao monopólio feminino da moda e ‘masculinizando’ parcialmente o guarda-roupa feminino”, cita Lipovetsky. (pág 130).
Todas essas mudanças culminaram no que encontramos hoje, uma moda que não precisa ser cegamente seguida, temos a liberdade de criar, misturar tendências, colocar em pouco de nós nas roupas que usamos; “o que caracteriza a moda aberta é a autonomização do público em relação à idéia de tendência, a queda de poder de imposição dos modelos prestigiosos” (pág 142).
A moda continua criativa, só que agora cada um pode escolher livremente e modificá-la, ela continua a despertar interesse e atração, mas à distância, sem magnetismo desenfreado.